24 janeiro 2012
10 janeiro 2012
coisas que você não precisa saber, mas deveria
Quando você não tiver mais dúvidas, desculpa, mas você morreu.
Viver é ter dúvidas e ser atormentado por elas a cada passo do caminho.
Sim, existem milhões de mortos vivos que levam aquela vida sem pensar muito no assunto.
Pensar muito é se desesperar sempre.
Não existe pensar sem questionar, sem duvidar, sem criar.
Mas tem a parte boa. A de que pequenas cenas do cotidiano adquirem duplo sentido.
Nada é o que parece. Tudo está ali, na sua frente por alguma bendita razão de ser.
Dependendo de como são os seus dias dá até pra enlouquecer.
Ter uma vida assim subjetivada pode, então, ser fascinante e ao mesmo tempo angustiante.
E embora por vezes me encontrei invejando a vida senso comum de um servidor público, a única certeza que tenho é que prefiro sim pensar.
Viver pra pagar contas, comprar comida e viajar no fim do ano?
Ou viver para começar de novo, independente do término ou início de cada ano.
E quando você pensa, você pode se moldar o quanto for, uma hora a ficha cai. Você arruma suas coisas e vai embora.
Embora da cidade, embora de casa, embora de um modo de pensar sufocante.
Por isso as mulheres, deveras mais subjetivas que os homens, sofrem mais.
Elas não tem o botão Homer Simpson. A maioria, nem todas, claro, pensa demais.
Dito isso, Deus salve Pedro Almodóvar. O cara que veio para representar a mulher no cinema muito além da femme fatale.
Acho que a mulher é exatamente aquilo que ele passa para as suas personagens: louca, sexy, chata e inteligente demais pra não sofrer.
04 janeiro 2012
Faz de conta que ela não estava chorando por dentro.
Mas nada se tornara dizível em palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que ele inventara.
Apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como. Estava cansada do esforço de animal libertado.
Chegara o momento de decidir.
Era como ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas, para só então, preparada para a liberdade, ela fosse dele.
E a falta de sede? Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede. Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas.
A humanidade lhe era como morte eterna que, no entanto, não tivesse o alívio de enfim morrer. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.
Enquanto isso era verão. Verão largo como o pátio vazio nas férias da escola. Dor? Nenhuma. Nenhum sinal de lágrima e nenhum suor. Sal nenhum.
Pensar no seu homem?
Não, era a farpa na parte coração dos pés.
Lamentar não ter casado e não ter filhos?
Quinze filhos dependurados, sem se balançarem à ausência de vento.
A dificuldade era uma coisa parada.
A cigarra de garganta seca não parava de rosnar.
Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento.
É a ausência de juiz e condenado.
A urgência é ainda imóvel, mas já tem um tremor dentro.
Ela não percebe que o tremor é seu, como não percebera que aquilo que a queimava era seu próprio calor. Ela só percebe que agora alguma coisa vai mudar, que choverá ou cairá a noite.
Mas não suporta a espera.
Enfim o céu se abranda.
C. L.
Mas nada se tornara dizível em palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que ele inventara.
Apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como. Estava cansada do esforço de animal libertado.
Chegara o momento de decidir.
Era como ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas, para só então, preparada para a liberdade, ela fosse dele.
E a falta de sede? Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede. Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas.
A humanidade lhe era como morte eterna que, no entanto, não tivesse o alívio de enfim morrer. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.
Enquanto isso era verão. Verão largo como o pátio vazio nas férias da escola. Dor? Nenhuma. Nenhum sinal de lágrima e nenhum suor. Sal nenhum.
Pensar no seu homem?
Não, era a farpa na parte coração dos pés.
Lamentar não ter casado e não ter filhos?
Quinze filhos dependurados, sem se balançarem à ausência de vento.
A dificuldade era uma coisa parada.
A cigarra de garganta seca não parava de rosnar.
Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento.
É a ausência de juiz e condenado.
A urgência é ainda imóvel, mas já tem um tremor dentro.
Ela não percebe que o tremor é seu, como não percebera que aquilo que a queimava era seu próprio calor. Ela só percebe que agora alguma coisa vai mudar, que choverá ou cairá a noite.
Mas não suporta a espera.
Enfim o céu se abranda.
C. L.
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