04 janeiro 2012

Faz de conta que ela não estava chorando por dentro. 
Mas nada se tornara dizível em palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que ele inventara.


Apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como. Estava cansada do esforço de animal libertado.
Chegara o momento de decidir.


Era como ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas, para só então, preparada para a liberdade, ela fosse dele.


E a falta de sede? Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede. Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas. 


A humanidade lhe era como morte eterna que, no entanto, não tivesse o alívio de enfim morrer. Nem mesmo a angústia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.


Enquanto isso era verão. Verão largo como o pátio vazio nas férias da escola. Dor? Nenhuma. Nenhum sinal de lágrima e nenhum suor. Sal nenhum.
Pensar no seu homem?
Não, era a farpa na parte coração dos pés.
Lamentar não ter casado e não ter filhos?
Quinze filhos dependurados, sem se balançarem à ausência de vento.


A dificuldade era uma coisa parada.
A cigarra de garganta seca não parava de rosnar.


Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento.
É a ausência de juiz e condenado.


A urgência é ainda imóvel, mas já tem um tremor dentro.
Ela não percebe que o tremor é seu, como não percebera que aquilo que a queimava era seu próprio calor. Ela só percebe que agora alguma coisa vai mudar, que choverá ou cairá a noite.
Mas não suporta a espera.
Enfim o céu se abranda.

C. L.

Um comentário:

Anônimo disse...

mas esta Clarice... pra é a mais mulher das mulheres! estou adorando o blog, parabéns!
Denise.